Pyrocephalus rubinus - Príncipe
Para saber mais sobre este projeto, acesse:
"Caminhos, para nos fazerem parentes do futuro" - trabalho realizado em parceria com Laura Gorski
Geografias – nosso lugar é caminho
(ao meu amor)
Geografia é a área do conhecimento que estuda a paisagem formada pela
relação entre os sistemas de ações ou práticas sociais do humano e o sistema de
dispersão de objetos no mundo. Muito além de um conjunto de características
morfológicas, a geografia deve ser entendida como a atividade constante de
criação de encadeamento lógico sobre a ordem espacial das coisas. É por meio da
pesquisa geográfica (na relação entre espaço, sentido e valor, por exemplo) que
podemos produzir conceitos para uma teoria social sobre contemporaneidade de
forma a construir, também, a própria transformação do mundo que habitamos.
Tudo o que o humano realiza na superfície da terra, ou seja, toda
expressão da técnica que transforma fisicamente a paisagem a partir da própria
paisagem, acontece para atender às necessidades humanas mais fundamentais, como
nutrir-se, abrigar-se, relacionar-se, reproduzir-se, movimentar-se, ter consigo
objetos úteis, dar sentido a si e às coisas etc. O que podemos encontrar quando
examinamos atenciosamente o espaço que o humano construiu para lhe rodear? De
que forma aquilo que nos cerca está para nos ensinar sobre nós mesmos? A
paisagem complexa em que vivemos é resultado de muitas camadas de história
sobre o mesmo lugar, de sequências de diferentes relações entre atividade
humana e estrutura física do mundo. A geografia escuta as perguntas feitas pela
paisagem, composta por suas tantas marcas enigmáticas.
Da perspectiva cultural, a paisagem é justamente onde acontece a
mediação entre o mundo das coisas e o da subjetividade humana, é uma “forma de
ver”, é o objeto do processo ativo de criação e significação de “perceber” o
mundo.
A presente exposição reúne frutos muito diversos dos encontros entre os
sussurros das paisagens de Santos e as pesquisas de um grupo de artistas. “Geografias
– nosso lugar é caminho”, é a segunda mostra de uma trilogia iniciada no Sesc
Jundiaí em 2016 e que se encerrará em São Paulo em 2018. A palavra “Geografia”
(que, sobretudo, é uma ciência moderna, constituída e constituinte da
epistemologia hegemônica), em sua presença nos títulos das mostras, serve como
metáfora à site-specificity das pesquisas realizadas.
Esse projeto resulta da articulação coletiva entre sete artistas que são
atuais membros ou antigos participantes do grupo de estudos do Ateliê Fidalga, conduzido
pelos artistas Sandra Cinto e Albano Afonso na capital paulistana. O subtítulo
da mostra faz referência ao fato de que, entre os meses de dezembro de 2016 e
fevereiro de 2017, os artistas organizaram, em parceria com o SESC e com a
participação do público, uma série de caminhadas por diversas regiões da cidade,
nas quais puderam praticar formas alternativas (não-científica, não-hegemônicas)
de criar paisagens, de examinar o espaço urbano.
O caminhar é um processo especial de reconhecer territórios e de
construir conhecimento sobre um lugar. Na deriva ambulatória, não vemos o mundo
com o distanciamento de quem observa um mapa como se sobrevoasse a cidade com
olhos universais. Caminhando ao rés do chão, podemos ver as marcas do tempo e
da história, não contornamos os sinais da desigualdade social e da exploração
do homem pelo homem, carregamos dentro de nós nossa cultura, sentimos os
cheiros das esquinas, estamos igualitariamente com objetos, animais e plantas,
somos menores que os muros, maiores que quase nada.
Foi por meio do
caminhar em Santos que os artistas Cristina Ataide, Daniel Caballero, Flavia
Mielnik, Helen Faganello, Laura Gorski, Renata Cruz e Renato Leal investigaram
essa cidade cujo desenvolvimento é entrelaçado à História do Brasil, com um
fluxo de formação social e cultural complexo e cheio de dobras, que é parte
insular e parte continental, diretamente ligada ao fundo do Oceano Atlântico e
ao topo Serra do Mar, que contém o maior porto da América Latina e uma enorme
Área de Proteção Ambiental. Os diferentes aspectos da geografia de Santos
ecoaram vacantes em cada um dos artistas de maneira que essa exposição oferece
ao público paisagens que são fragmentos costurados de paisagem. Essa mostra,
uma reunião de olhares simultâneos e alternativos sobre o mesmo lugar, nos
inspira a noção de há muitas maneiras de perceber, aprender e se envolver
afetivamente com um mesmo entorno. Pois, afinal, o que será que responderemos
às paisagens quando passarmos a nos permitir ouvir as perguntas que nos fazem?
Bernardo Mosqueira,
fevereiro 2017.
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